Mais um crime de lesa-história – ou o custo de ser caipira – sobre a #aldeiamaracana

Quando eu era criança, morava em fazenda e sempre que vinha à cidade grande, ouvia uma frase incômoda – “Ô, menino, deixa de ser caipira, cumprimenta o tio Vicente”. Com o tempo fui entendendo o campo de significados da palavra. Nele, o que há de pejorativo é o que refere a desvalorizaçao do que sabemos fazer em detrimento do que o forasteiro sabe fazer. Assim, a casa de janelinha pequena e telha de barro, feita de forma a preservar a temperatura interna mesmo sob o sol de Catanduva, perde o valor ante a casa urbanóide com janela de arco.

É esse espírito, caipira, que vai levar à demoliçao do Museu do Índio, ao lado do Maracanã. Na cabeça caipira do prefeito e do governador, é preciso ser de “primeiro mundo”. É preciso derrubar o que possa mostrar aos que vao chegar da “cidade grande” (que, na cabeça deles, nao é o Rio, é Noviorque, Paris e Orlando) quem nós somos ˜ afinal, nós somos caipiras.

Foi assim, caipiras, que derrubamos a Catedral da Sé, em São Paulo, para construir outra, majestosa, com todo o gótico que uma cidade grande precisava ter para parecer com uma cidade nao-caipira. Foi assim, caipiras, que vimos o orgulhoso mercado imobiliário soteropolitano anunciar imensas torres de 45 andares no Horto Florestal – Ué, nao fazem lá em Dubai?

O próprio Rio tem sido vítima dessa doença da insegurança nao é de hoje. A cidade teve no prefeito Marcos Tamoyo o símbolo dessa caipirice, e na demoliçao do Palácio Monroe – lembram? – a realizaçao do capricho caipira-autoritário.

Agora essa – a demoliçao do Museu do Índio significa perder a chance de recuperar um patrimônio público centenário, na verdade, bem anterior ao próprio Maracanã. Com isso, perde-se a chance, igualmente, de mostrar que a Copa e a Olimpíada serviriam para melhorar nossas cidades, o Rio à frente. Mas a doença caipira nao quer melhorar nada, quer substituir o que nós somos pelo que achamos que seja o modelo de 1o mundo, da verdadeira cidade grande que, na cabeça de nossos dirigentes, é a cidade grande do outro, nunca a nossa. Afinal, sabemos e nao conseguimos confessar – somos caipiras. Vamos derrubar logo essa maldita identidade. Quem sabe assim, Miami nos aceite.

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