O Eupreendedorismo na Sociedade do Euspetáculo | texto do Marcelo Coutinho

A mais recente polêmica de 15 minutos das redes sociais envolve a empresária, blogueira e palestrante Bel Pesce. É mais um caso de “cascatas de opiniao“, temas que começam pequenos, em pouco tempo adquirem uma dimensao de polarizaçao enorme e subitamente desaparecem, fenômeno típico das redes sociais digitais descrito já faz algum tempo. Nao conheço Bel pessoalmente, nao assisti nenhuma palestra dela e nao tenho opiniao formada sobre sua efetividade, exceto por pequenas intervençoes na CBN, que nunca me pareceram nada de extraordinário, mas nao dá para pedir muito mais em um comentário de 2 minutos no rádio.

O que me interessa neste caso é o mecanismo pelo qual a noçao de empreendedorismo passou a ser apresentada como um remédio fácil para os males que afligem nossa cultura burocratizada e avessa ao risco e a inovaçao, tanto nas organizaçoes públicas quanto nas grandes e médias empresas. Segundo Gary Hammel, a legiao de burocratas abrigados nas mesas de compras, departamentos jurídicos e outras áreas auxiliares das empresas consome cerca de 3 trilhoes de dólares por ano, 17% do PIB dos EUA. É um exército de gente avessa ao risco atuando em nome dos acionistas, mas que na verdade tornam a vida nas empresas cada vez mais frustrante, consumindo o tempo que as pessoas podiam dedicar para se aperfeiçoar e criar no trabalho em um pesadelo sem fim de formulários que pouca serventia tem, a nao ser gerar justificativas para expandirem ainda mais sua existência na organizaçao, como Weber já demonstrava no final do século XIX. Neste cenário, a figura do empreendedor ganha uma dimensao quase mitológica, uma prova ou contraponto possível para a existência embotada nas organizaçoes burocráticas. Empreendedores e gente disposta a investir neles sempre existiram, mas sua imagem passa por revisoes periódicas. Os pioneiros das ferrovias, aço e petróleo no final do século XIX e início do século 20 foram endeusados pela sociedade americana, depois passaram décadas conhecidos como “Robber Barons” e voltaram a ser “reabilitados” após suas extensivas açoes de filantropia. Em breve, talvez falemos dos “Sultoes do Silício“.

Por um acaso histórico – aumento da renda gerado pelo superciclo de commodities e baixos juros internacionais, combinados com desconhecimento das reais possibilidades das transformaçoes tecnológicas – a mídia brasileira, pressionada pela necessidade de audiência com a mudança geracional, passou a ver os empreendedores como um “contraponto” para séculos de patrimonialismo ibérico que nos acompanham desde a chegada dos portugueses. Casos como o de Bel -jovem, mulher, com excelentes notas em uma mais prestigiadas universidades do mundo, passagem por importantes empresas do setor de tecnologia – sao excelentes oportunidades para aumentar a audiência e relevância em segmentos com os quais empresas tradicionais tem dificuldades para se conectar.

Muita gente percebeu a “janela de oportunidade” para vender a ideia de que estávamos próximos de uma revoluçao cultural e econômica liderada pelos jovens empreendedores. A evoluçao tecnológica reduziu os custos para criar um espetáculo em torno das nossas existências banais, e Bel soube aproveitar o clima favorável para chamar atençao na mídia e alargar este espaço através da utilizaçao de ferramentas de comunicaçao contemporânea (mídia social, palestras corporativas, etc). Transformou uma boa história profissional em um espetáculo para uma sociedade sedenta por novidade e modernizaçao, ainda que esta modernizaçao seja muito mais complexa e difícil de atingir do que fazem supor os discursos nas inauguraçoes das “incubadoras” e eventos de “crowdfunding” que pipocam na Vila Madalena. Bel Pesce nao é “culpada” nem “vítima”, apenas mais um exemplo de que a realidade sempre se impoe. Como lembra Shakespeare (Júlio Cesar) “a culpa, meu caro Brutus, nao está nos astros, mas em nós mesmos“.

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