Estadao | ‘Estávamos à beira do abismo. Agora vamos dar um passo adiante’

Texto do Luciano Martins Costa que saiu hoje no Observatorio. O titulo original é ‘A montanha pariu um rato’.

A notícia de que o Estado de S Paulo está passando por uma reformulaçao radical provoca muitas discussoes nas redes sociais, especialmente entre os jornalistas. O debate é intenso no grupo chamado ‘Extadao‘, criado no Facebook por ex-integrantes do jornal paulista. Um misto de indignaçao, revolta e inconformismo perpassa as mensagens, como a demonstrar a profundidade do engajamento que marcou a passagem de muitos desses profissionais pela casa dos Mesquita. Com o início das demissoes anunciadas, o ‘Extadao‘ recebe novos membros desde 6a feira.

Havia especulaçoes sobre cortes desde o início do mês, mas o novo projeto acabou surpreendendo pelas mudanças radicais na configuraçao tradicional do diário. Alguns detalhes da mudança, parte do projeto de reduçao de custos iniciado em 2010, foram divulgados por sites especializados antes de terem sido comunicados à redaçao.

No comunicado oficial, que foi distribuído em nome do diretor de Conteúdo, Ricardo Gandour, a empresa afirma que a iniciativa foi recomendada por pesquisas segundo as quais “os leitores em geral – e também os do Estado – querem mais conveniência e eficiência no consumo da informaçao, sem abrir mao do aprofundamento e da análise”. Ainda que a mesma frase tenha sido repetida posteriormente, desta vez creditada ao diretor superintendente do grupo, Francisco Mesquita Neto, o comunicado esclarece que a reestruturaçao foi definida a partir de uma revisao detalhada de “todo o processo produtivo”.

Nao se trata, portanto, de uma mudança no conceito do jornal: é apenas a radicalizaçao de um processo de enxugamento iniciado ainda na gestao do ex-presidente Silvio Genesini, que representou uma tentativa frustrada e desastrada de profissionalizar a direçao da empresa.

A justificativa é parte dos discursos da mídia tradicional há mais de duas décadas. Diante dos imensos desafios que as empresas jornalísticas enfrentam neste início de século, tudo indica que a montanha estremeceu, roncou… e pariu um rato.

O contexto lembra a anedota popularizada por Augusto Boal na obra ‘A deliciosa e sangrenta aventura latina de Jane Spitfire’ e creditada a variados ditadores militares latino-americanos – “Estávamos à beira do abismo. Agora vamos dar um passo adiante”.

A visao que conduz essa decisao pode ser resumida numa frase do informe distribuído internamente aos funcionários do jornal – “Tais providências se inserem na necessária e permanente gestao de recursos, imprescindível para a competitividade da (nossa) marca e seu lugar no futuro das mídias”.

E qual seria, afinal, o lugar do Estadao e dos outros títulos tradicionais no futuro da mídia? Com o olhar focado obsessivamente na gestao de recursos, sem levar em conta a complexidade das mudanças que vêm afetando o setor, nao há espaço para muito otimismo. Com exceçao do grupo Globo,que se vale da cumplicidade de agências de publicidade para extrair recursos dos anunciantes – sem oferecer garantias de contrapartida em termos de eficiência, as demais empresas jornalísticas deveriam estar buscando estratégias mais amplas do que a velha prática de demitir trabalhadores para corrigir erros de gestao.

Muito além do custo operacional, é preciso rever todo o contexto em que se pratica o jornalismo nesta era de grandes mudanças sociais e tecnológicas. A crise da mídia não nasceu com o surgimento da internet, mas se agravou diante da incapacidade das empresas de entender as transformaçoes que as novas mídias iriam provocar, a começar do próprio conceito de notícia.

No Brasil, talvez o grupo Folha tenha sido a empresa que investiu mais acertadamente, desde o grupo de executivos fundadores, num projeto que previa a substituiçao da mídia de papel pelo meio digital. Ainda assim, há grandes dúvidas sobre a as chances de sobrevida de sua marca tradicional.

Muito ainda se vai dizer sobre o atual projeto do Estadao, e é até possível que seus resultados financeiros venham a satisfazer os acionistas no curto prazo. Mas nao é com eufemismos como “eficiência de leitura” – que nao quer dizer nada, que se vai reverter o processo de desmanche que ameaça o setor.

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