Jornalistas da EBC denunciam intervençoes do governo na linha editorial

Jornalistas da EBC fizeram circular, na última audiência pública sobre a Medida Provisória 744, no Congresso Nacional, na 3ª feira passada (29), uma carta em que apelam aos parlamentares contra a censura interna. A MP reestrutura a empresa e acaba com seu caráter público. O documento contou com adesao de boa parte dos repórteres da Agência Brasil, principal site de notícias da EBC, e denuncia intervençoes do governo na linha editorial. Alega que, desde a MP, houve uma “ofensiva contra barreiras e garantias que protegiam a atuaçao dos profissionais jornalistas, cujos textos e imagens ficaram expostos a intervençoes diretas do governo, na explícita contramao da ideia do que é mídia pública“. “Temos produzido matérias que sao rejeitadas, picotadas, descontextualizadas e até reescritas com as justificativas menos republicanas possíveis, escondendo a verdadeira intençao de ‘poupar’ críticas ao governo“, afirmam. A MP, sob relatoria do senador Lasier Martins (PDT-RS), acaba com o Conselho Curador da EBC e o mandato do presidente da EBC, criado para nao coincidir com o do presidente da República. Confira o conteúdo da carta, na íntegra, logo abaixo:

Nós, repórteres da Agência Brasil, veículo público de notícias da EBC, viemos contribuir para o debate sobre a Medida Provisória 744, nesta Comissao Mista presidida pelo deputado Ságuas Moraes (PT-MT) e de relatoria do senador Lasier Martins (PDT-RS).

De início, destacamos o papel da comunicaçao pública no Brasil. A Constituiçao Federal de 1988 legou expresso, de modo literal, em seu artigo 223, o princípio de complementaridade entre os sistemas de comunicaçao privado, público e estatal, a
exemplo do que é praticado em boa parte das democracias consolidadas, como Estados Unidos, Inglaterra, França, Espanha, Alemanha e Japao e entre nossos vizinhos, como Chile Colômbia, para citar modelos de êxito. Cabe à sociedade brasileira, agora, encontrar meios de fazer valer o texto da Constituiçao.

Como repórteres da Agência Brasil – profissionais qualificados, experientes e selecionados por meio de concurso público – publicamos na internet, nos últimos anos, milhares de textos e imagens sobre fatos ocorridos no Brasil e no mundo. A qualidade de nossa cobertura plural é reconhecida com inúmeros prêmios de jornalismo, como Prêmio Petrobras, Prêmio Banco do Nordeste, Prêmio Vladimir Herzog de Anistia e Direitos Humanos e Prêmio Nacional Jornalista Abdias Nascimento (um ex-senador desta Casa).

Nossas matérias, galerias de imagens e especiais multimídia sao disponibilizados
gratuitamente, abastecem jornais de todo o país e sao replicados por portais internacionais, uma vez que parte do material é traduzido para o inglês e o espanhol. Hoje é seguro dizer que todos os jornais brasileiros acessam e muitos reproduzem nosso material, inclusive, por vezes, sem dar o devido crédito à comunicaçao pública – o que contribui para a falsa percepçao de nossa audiência, abrangência e importância.

Entre os veículos que reproduzem a Agência Brasil estao desde os pequenos jornais de 
bairro e do interior a grandes veículos, como as revistas Veja e Época, os jornais Estadao, Valor Econômico, Diário de Pernambuco, O Dia, Correio Braziliense e O Globo. Portais como o UOL e Folha Online exibem matérias ou fotos nossas na capa, reflexo do reconhecimento do nosso trabalho.

Uma foto recentemente feita por nossa equipe, reproduzida pelo jornal Gazeta do Povo, de Curitiba, fez com que a publicaçao recebesse o prêmio pela melhor capa de jornal do mundo, em 2016, dado pela organizaçao internacional NH Society for News Design, sediada nos Estados Unidos.

Todo esse esforço, no entanto, vem sendo prejudicado desde a publicaçao da Medida Provisória 744, que extinguiu o Conselho Curador, fragilizando a autonomia da EBC e colocando a independência editorial da Agência Brasil em risco. Com a MP, chefias da empresa têm acentuado uma relaçao de subordinaçao a interesses do governo, em prejuízo do interesse público.

Observamos, desde entao, uma ofensiva contra barreiras e garantias que protegiam a atuaçao de nossos profissionais jornalistas, cujos textos e imagens ficaram expostos a intervençoes diretas do governo, na explícita contramao da ideia do que é mídia pública. Temos produzido matérias que sao rejeitadas, picotadas, descontextualizadas e até reescritas com as justificativas menos republicanas possíveis, escondendo a verdadeira intençao de ‘poupar’ críticas ao governo.

Esse cenário nos obriga a alertar os parlamentares que a MP 744 relega o Brasil ao grupo 
dos países que usam a comunicaçao pública como instrumento de propaganda, caso de ditaduras e de regimes autoritários, exemplos que envergonham a história da humanidade.

É verdade que a Agência Brasil vem de um longo caminho para atingir um patamar de autonomia, que nunca foi dado plenamente por nenhum governo. Tanto por falta de
recursos próprios quanto pela intervençao na gestao. Cabe destacar, porém, que ao longo de seus 9 anos, as instituiçoes de controle interno como a Ouvidoria e o Conselho Curador vinham desempenhando papel fundamental para diminuir interferências no jornalismo da EBC – que ganhou também um Manual de Jornalismo, hoje referência nas universidades de comunicaçao em todo país.

Sem mecanismos de controle democráticos que reflitam toda a diversidade da sociedade e sem a própria comunicaçao pública, na qual a EBC detém papel central, lembramos que o Brasil também coloca em xeque a própria declaraçao de Direitos Humanos, às vésperas de seu aniversário, dia 10 de dezembro – e a Declaraçao da Unesco sobre Mídia, de 1983, que defendem a liberdade de expressao e o direito à informaçao, compromissos ratificados pelo Brasil.

Informamos ainda que, enquanto os órgaos de controle nao forem restabelecidos, sempre que preciso invocaremos a cláusula de consciência do Código de Ética dos Jornalistas para evitar macular o jornalismo público e nossas carreiras profissionais.

Por fim, fortemente recomendamos que o Conselho Curador volte imediatamente a cumprir seu papel, e clamamos aos nobres parlamentares que a EBC saia fortalecida desta comissao. Disso depende a informaçao que circula para todas e todos brasileiros.”

O Conselho Curador cassado também divulgou uma carta pela rejeiçao da MP 744 e em defesa da EBC pública e independente. Um dos trechos diz que “a MP 744 coloca a EBC inteiramente à disposiçao dos humores do governo de plantao. Ela acaba com o Conselho Curador. Ela rouba da EBC sua vocaçao.Leia na íntegra aqui.

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