Ri, palhaço | texto de Luis Fernando Verissimo

Depois da provável cassaçao da Dilma pelo Senado, ainda falta um ato para que se possa dizer que la commedia è finita: a absolviçao do Eduardo Cunha. Nossa situaçao é como a ópera ‘Pagliacci’, uma tragicomédia, burlesca e triste ao mesmo tempo. E acaba mal. Há dias li numa página interna de um grande jornal de Sao Paulo que o Temer está recorrendo às mesmas ginásticas fiscais que podem condenar a Dilma. O fato mereceria um destaque maior, nem que fosse só pela ironia, mas nao mereceu nem uma chamada na primeira página do próprio jornal e nao foi mais mencionado em lugar algum.

A gente admira o justiceiro Sérgio Moro, mas acha perigoso alguém ter tanto poder assim, ainda mais depois da sua espantosa declaraçao de que provas ilícitas sao admissíveis se colhidas de boa-fé, inaugurando uma novidade na nossa jurisprudência, a boa-fé presumida. Mas é brabo ter que ouvir denúncias contra o risco de prepotência dos investigadores da Lava-Jato da boca do ministro do Supremo Gilmar Mendes, o mesmo que ameaçou chamar o entao presidente Lula ‘às falas’ por um grampo no seu escritório que nunca existiu, e ficou quase um ano com um importante processo na sua gaveta sem dar satisfaçao a ninguém. As óperas também costumam ter figuras sombrias que se esgueiram (grande palavra) em cena.

O Eduardo Cunha pode ganhar mais tempo antes de ser julgado, tempo para o corporativismo aflorar, e os parlamentares se darem conta do que estao fazendo, punindo o homem que, afinal, é o herói do impeachment. Foi dele que partiu o processo que está chegando ao seu fim previsível agora. Pela lógica destes dias, depois da cassaçao da Dilma, o passo seguinte óbvio seria condecorarem o Eduardo Cunha. Manifestantes: às ruas para pedir justiça para Eduardo Cunha!

Contam que um pai levou um filho para ver uma ópera. O garoto nao estava entendendo nada, se chateou e perguntou ao pai quando a ópera acabaria. E ouviu do pai uma liçao que lhe serviria por toda a vida:

— Só termina quando a gorda cantar.

Nas óperas sempre há uma cantora gorda que só canta uma ária. Enquanto ela nao cantar, a ópera nao termina.

Nao há nenhuma cantora gorda no nosso futuro, leitor. Enquanto ela nao chegar, evite olhar-se no espelho e descobrir que, nesta ópera, o palhaço somos nós.”

Texto de Luis Fernando Verissimo em sua coluna no jornal O Globo

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