Uma imprensa pequena para uma grande Copa – acompanhe isso aqui

Por Luciano Martins Costa | no Observatorio da Imprensa

A imprensa brasileira reconhece, nesta 2a feira, 14, que o torneio encerrado no domingo com o triunfo da Alemanha sobre a Argentina foi a maior e melhor de todas as Copas do Mundo já realizadas. Os jornais fazem balanços e antecipam números que estarao no relatório do Grupo de Estudos Técnicos da Fifa. Segundo o Estado de S Paulo, o chefe da comissao já adiantou que esta foi a melhor versao do torneio em todos os tempos, em termos de qualidade e entretenimento.

Nao apenas pelos dados, apresentados em páginas duplas e infográficos pelos diários do Brasil e de outros países, mas também por critérios como inovaçao técnica, táticas dinâmicas e fatos surpreendentes, a qualidade do evento é destacada nas reportagens. Até mesmo a vexaminosa participaçao da equipe brasileira nas semifinais é citada como parte do conjunto de fatos que encantam os observadores: a torcida absorveu imediatamente a derrota humilhante para os alemaes no dia 8, 3a feira passada, 27º dia da Copa, e os alemaes foram aplaudidos por brasileiros ao final do jogo e no trajeto do ônibus que os retirou do estádio em Belo Horizonte.

O outro grande vexame foi protagonizado pela própria Fifa, com a evidência de que alguns de seus dirigentes e colaboradores podem estar envolvidos com a quadrilha de cambistas desbaratada pela polícia do Rio. O grupo vinha atuando desde, pelo menos, 2002, quando foi detectada a venda irregular de ingressos no Japao e na Coréia, e passou incólume pelas autoridades nas copas da Alemanha, em 2006, e da África do Sul, em 2010. A investigaçao da polícia brasileira oferece aos dirigentes das federaçoes nacionais um argumento de peso para pressionar a Fifa a combater a corrupçao interna.

Quanto à seleçao brasileira, humilhada diante da Alemanha com a goleada de 7 a 1 e reduzida à sua real dimensao pela derrota seguinte, contra a Holanda, por 3 a 0, resta uma chance de mostrar alguma dignidade: que os jogadores e a comissao técnica abram mao dos R$ 11 milhoes que irao receber como prêmio pelo 4o lugar, e façam uma doaçao a entidades de açao social.

O que dizer sobre a imprensa nacional?

Quem tem em casa um animal de estimaçao pode fazer uma pesquisa de campo nos jornais em que recolhem os dejetos e reviver o trajeto dos principais veículos de informaçao do país: da mais impiedosa descrença sobre as chances de o Brasil apresentar ao mundo um mínimo de eficiência e organizaçao na Copa, os textos saltaram para o triunfalismo basbaque diante dos primeiros resultados da seleçao na fase classificatória, até a decepção com a derrota acachapante diante da Alemanha. Nesta 2a feira, de volta à realidade, os comentaristas que ontem faziam o coro da louvaçao ao técnico Luiz Felipe Scolari agora o crucificam.

Na leitura cotidiana, nem sempre é possível perceber as mudanças de opiniao e de tom que atravessam as análises dos diários. Mas para se observar como a imprensa brasileira, de modo geral, parece uma nau sem rumo, basta pegar duas ediçoes seguidas de uma revista semanal de informaçao.

Esse é o formato mais ingrato da imprensa de papel, porque nao tem a mesma possibilidade dos jornais de desdizer no dia seguinte o que afirmou hoje, e suas ediçoes costumam permanecer ao alcance da vista durante muito tempo, envelhecendo nas salas de espera de consultórios e saloes de cabeleireiro.

Veja-se, por exemplo, a revista Época: na ediçao da semana passada, com data do dia 7/7, os editores haviam superado, finalmente, o mau humor com que haviam previsto uma Copa do caos e, contaminados pelo ufanismo dos jornais e das emissoras de televisao, cravaram na capa: “Eu acredito”.

Na reportagem principal, o leitor é apresentado a um cenário de campeoes, depois da vitória sobre a Colômbia, quando o atacante Neymar sofreu uma contusao grave na coluna. Num perfil de 4 páginas, Scolari é tratado como um líder nato: “Felipao é, acima de tudo, um motivador. Sua especialidade é lidar com a emoçao dos jogadores. Num momento de crise, ele demonstrou ter nervos de aço”, dizia o texto.

Agora, observe-se a ediçao seguinte, que está nas bancas. Na capa, a foto de uma torcedora brasileira, em lágrimas, e o registro da derrota para a Alemanha: “Belo Horizonte, 8 de julho de 2014”. O texto principal tem um título que descreve outro Felipao: “Um técnico obsoleto e teimoso”.

Pode-se levar a sério uma imprensa assim?

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