A dor de cabeça está só começando | texto do Marcelo Coutinho

Lidar com um mundo mais diverso, mais desigual e mais vocal sobre seus direitos é um dos maiores desafios da criaçao publicitária para os próximos anos. Nao tenho tanta certeza que a campanha da Almap sobre a Aspirina é uma “apologia do estupro”, como destaca a Fortune, mas a repercussao do problema demonstra que a visao estereotipada sobre as relaçoes de gênero e o “empoderamento” do consumidor pela tecnologia podem empurrar a publicidade tradicional para um papel periférico na cultura contemporânea.

Nos últimos 30 anos, grupos antes “marginalizados” na maior parte das sociedades ocidentais foram ganhando visibilidade, força política e, nao menos importante, poder de consumo. A chegada das novas tecnologias permitiu que eles aumentassem seu poder de pressao sobre as empresas, governos e grupos de mídia. O movimento parece nao ter se refletido ainda no board dos grandes grupos publicitários, com reflexos óbvios sobre as principais diretorias das agências (nota de rodapé: alguém aí tem a proporçao de homens/mulheres e brancos/negros/latinos/asiáticos entre os jurados de Cannes? Só para ficar no aspecto mais básico da questao…).

Algumas empresas já se atentaram para o problema, como a Unilever, mas a pressao só vai aumentar, na medida em que os benefícios da modernizaçao econômica sao capturados de formas desigual na sociedade. Segundo a Agência de Pesquisa Econômica dos EUA, enquanto o salário do americano médio aumentou 10% em termos reais entre 1980 e 2010, a remuneraçao dos executivos cresceu 200% e a dos CEOs 500%. Nao é outra a causa da revolta dos eleitores de Trump e Sanders nos EUA e dos britânicos que votaram pela saída da Uniao Europeia. Com o apoio das novas tecnologias, estas minorias terao capacidade até mesmo de impor suas escolhas sobre setores mais integrados da economia. O que aconteceu em Cannes na semana passada é apenas o trailer do que espera as agências que nao sao capazes de contextualizar as açoes de seus clientes em movimentos sociais mais amplos que o simples consumo de imagens filmadas com o celular…

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