Ameaça do Clarín aos artistas que expressam sua opiniao politica

Começando com a entrevista de Orson Welles

Afinal, artistas têm ou nao têm o direito de assumirem publicamente suas posiçoes políticas e ideológicas? Esta interessante discussao ganhou força agora aqui na Argentina. Deu no Argentinaetc

Tudo começou depois das declaraçoes do ator e todo-poderoso gerente de programaçao do Canal Trece, do grupo Clarín, Adrián Suar em um programa de TV. Entre outras coisas, Suar afirmou que a maioria dos atores que se identifica e apoia publicamente o governo de Cristina Kirchner o faz por dinheiro ou por interesses que nada têm a ver com suas reais convicçoes. A crítica também foi dirigida aos chamados atores militantes, que, segundo Suar, sao pouco inteligentes por tornar públicas posiçoes ideológicas e/ou partidárias, correndo o risco de se depreciarem (!!!).

As declaraçoes de Suar revoltaram o meio artístico argentino na semana passada. A resposta mais contundente veio da Associaçao Argentina de Atores, presidida pela atriz Alejandra Darín, irmã mais nova do famoso ator Ricardo Darín, um artista que nunca escondeu seu apoio às políticas públicas do governo Kirchner – e que nunca esteve depreciado, muito pelo contrário, é um dos atores argentinos mais prestigiados da Argentina e do mundo.

Em um comunicado, a entidade afirmou:

“É comum encontrar no setor empresarial essa aversao à participaçao política de seus funcionários, às ideologias e, inclusive, à conscientizaçao dos trabalhadores quando estes decidem se agrupar e se sindicalizar. O sonho de um mundo sem sindicatos que cuidem dos direitos dos trabalhadores se torna explícito na permanente intençao de manter o trabalho precário. E nao satisfeitos com isso, como neste caso, pretendem a assepsia do pensamento dos atores, ávidos por continuar mantendo-os dentro da “ficçao”, essa que intencionalmente tenta trocar nosso trabalho e arte por espetacularização, fora da realidade. (…) Custou-nos, e ainda nos custa, e continuamos lutando para que os empresários do setor, Suar entre eles, reconheçam plenamente nossa condição de trabalhadores e respeitem integralmente nossos direitos trabalhistas. Era o que faltava, que um representante do setor empresário pretenda dar-nos seu certificado de bons cidadãos e nos diga o que devemos ou nao devemos dizer”.

Nunca discussoes políticas e ideológicos estiveram tao na moda na Argentina como agora, incluindo amplos setores de militância juvenil. Quando analisarem o legado desta Era Kirchnerista que está chegando ao fim, os honestos livros de História do futuro terao de contar como a sociedade argentina conseguiu recuperar o valor e a importância da política, apenas 12 anos depois daquele uníssono clamor popular “que se vayan todos” (Fora todos), dirigido a uma classe política tonta, derrotada na tarefa de administrar a tragédia econômica e social de 2001, produto do neoliberalismo dos anos 90.

O problema é que para certos setores empresariais, incluindo o dos grandes grupos de comunicaçao, como o Clarín, do qual Adrián Suar é um dos porta-vozes, uma sociedade politizada é uma ameaça. Mentes que pensam e se expressam, sejam artistas, jornalistas, advogados, médicos, operários ou prostitutas, sao aquelas que votam com a consciência, elegem políticos nos quais acreditam, que representarao seus interesses, nao os de um punhado de empresários defensores de governos frouxos e vendidos, defendendo seus interesses, mais e mais lucros, às custas da pobreza da maioria.

Atores e jornalistas politizados e coerentes representam uma ameaça ainda maior. Influenciam, sao públicos, seguidos, amados e lidos. Melhor que se dediquem a atuar ou a se enquadrar na falsa objetividade da imprensa independente – afinal quem controla mesmo novelas, filmes e a imprensa independente?

Aperta play para ver a reportagem do programa TVR (acima) que mostra as declaraçoes de Suar e a resposta dos atores, além de revelar que, apesar de criticar a postura de atores que tornam públicas suas posiçoes políticas e ideológicas, o próprio Suar nao esconde seus posicionamentos, seja através das falas de seus personagens na ficçao, seja poupando críticas a certos artistas que também expressam suas posturas, mas caminham na mesma calçada que a dele. Imperdível também é a opiniao de Orson Welles sobre o assunto, em uma entrevista de 1960 – incluida no video.

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