Como deu p/ montar e operar sigilosamente tal aparato em plena capital do Brasil?

Luciano Martins Costa no Observatorio da Imprensa hoje.

O Globo cria um cenário de contradiçoes na imprensa brasileira desde que publicou ontem reportagem denunciando que o Brasil foi um dos alvos preferenciais da Agência Nacional de Segurança dos EUA, segundo documentos revelados por Edward Snowden – nota esta manha no Blue Bus. O mapa publicado pelo jornal mostra que o Brasil esteve entre os países mais visados pela espionagem americana, na companhia de China, Rússia, Irã e Paquistao.

Embora nao tenha acessado o conteúdo das comunicaçoes, o volume do monitoramento denuncia o gigantesco sistema mantido pelo governo americano durante toda uma década. O interesse dos jornais (brs) se concentrou principalmente na questão geral da quebra de privacidade nas comunicaçoes, evoluindo rapidamente para o problema do ataque à soberania do país e das demais naçoes espionadas.

Mas a quebra sistemática do sigilo das trocas de informaçao entre particulares ou envolvendo autoridades tem um risco ainda mais controverso, que é a possibilidade de o governo dos EUA ter monitorado comunicaçoes de negócios de empresas brasileiras com fornecedores ou clientes internacionais. Esse tipo de informaçao privilegiada coloca em xeque o mito da liberdade comercial e, teoricamente, quebra o princípio da igualdade de condiçoes que supostamente governa o capitalismo globalizado.

Uma empresa americana de petróleo pode mapear a estratégia de investimentos da Petrobras, por exemplo, pela simples identificaçao dos interlocutores de alguns dirigentes da petrolífera brasileira. Da mesma forma, todo o setor agrícola dos EUA pode se beneficiar do rastreamento de informaçoes do agronegócio brasileiro.

As revelaçoes de Edward Snowden provocam também muita discussao nas redes sociais sobre invasoes de privacidade, ~tema sempre presente nos comentários do Facebook~ No entanto, tudo indica que o sistema de monitoramento das agências americanas tinha alvos específicos e, mesmo que continue em operaçao, dificilmente teria condiçoes de sequer distinguir identidades de pessoas sem interesse estratégico.

Os alvos dos espioes eram governantes, dirigentes de empresas com atuaçao internacional e, naturalmente, os levantamentos de instituiçoes como a Embrapa, que monitora o sistema agrícola nacional.

Para o “big brother” real, soberania e privacidade sao expressoes sem sentido. Para a imprensa brasileira, que viaja na fantasia da suposta “liberdade de mercado”, fundada no mito da livre concorrência, fica complicado admitir que a crença na absoluta autonomia dos negócios privados é pura ilusao.

A indignaçao presente nos textos e manchetes parece autêntica, mas seria interessante contextualizar o momento em que supostamente os serviços de espionagem dos EUA estabeleceram sua base de monitoramento por satélite em Brasília.

Embora a informaçao esteja lançada apenas de passagem no noticiário, é preciso destacar que os documentos desviados por Snowden e divulgados pelo Globo se referem a operaçoes realizadas em 2002. Nesse período, o sistema hoje conhecido como Big Data, que permite armazenar e administrar uma quantidade incalculável de dados, era um recurso disponível apenas para alguns governos e grandes empresas.

Na década passada, o governo dos EUA estava preocupado com as chances do candidato Lula da Silva vencer as eleiçoes presidenciais, e nao se pode descartar a possibilidade de ter havido alguma conivência ou omissao de autoridades brasileiras na implantaçao do projeto.

Embora a importaçao de equipamentos por representaçoes diplomáticas esteja protegida pelas normas internacionais, essa é uma pauta que deveria instigar a curiosidade dos jornalistas: como os americanos conseguiram montar e operar sigilosamente tal aparato em plena capital do Brasil?

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