Distrb de renda e a midia – jornais e revistas sao feitos p/ a classe média tradicional?

Sob titulo A inflaçao da carteira assinada texto de Luciano Martins Costa publicado ontem no Observatorio

A série de reportagens pintando um cenário de apocalipse na economia brasileira, que marca as ediçoes recentes dos principais jornais genéricos de circulaçao nacional, traz como pano de fundo uma tese perigosa – a de que a plena oferta de empregos seria uma das principais causas de aumento dos preços no Brasil.

Observe-se que a imprensa brasileira nao questiona se estamos de fato imersos no perigoso jogo inflacionário, embora os aumentos de preços tenham se mostrado pontuais e randômicos, nao lineares, o que indica a ocorrência de causas múltiplas e nao necessariamente um processo consistente de inflaçao.

Há apenas 2 meses, os jornais e os noticiários da televisao e do rádio martelavam a tese da inflaçao de alimentos; depois, com o tomate voltando ao molho com preços 75% inferiores, a imprensa passou a ressaltar o custo de produtos eletrônicos, depois das viagens aéreas e agora o vilao é o setor de serviços.

Nesse período, artigos e reportagens tentam impor a seguinte teoria – se o crescimento econômico é insatisfatório, o pleno emprego torna-se fator de inflaçao porque a disputa por bons funcionários aumenta o custo das empresas, o que acaba se refletindo no preço final dos produtos (…..) Os defensores dessa tese consideram que, para fazer a economia crescer sem inflaçao, é preciso manter um exército de trabalhadores sem renda, ou dispostos a ganhar pouco, para que os preços se mantenham estáveis e o PIB possa crescer a níveis chineses.

O pensador francês Edgar Morin já observou que “a economia é, ao mesmo tempo, a ciência humana mais avançada matematicamente e a mais atrasada humanamente”. No caso do Brasil, os especialistas mais apreciados pela imprensa sao os que se apegam a fundamentos que se justificam mais por ideologia do que por evidências científicas, e se recusam a considerar a nova complexidade da sociedade brasileira.

Esse novo contexto social se baseia no ingresso de uma nova classe de renda no mercado, que permite a milhares de produtos e serviços alcançarem uma escala nunca antes vista. Durante alguns anos, esses novos protagonistas irao realizar alguns sonhos de consumo que acalentam desde a infância, o que certamente produz desequilíbrios nas cestas do mercado.

Foi assim com biscoitos recheados e iogurte, nos primeiros anos do Plano Real; foi assim com os calçados esportivos e vestuário até 2005, o que estimulou a maior frequência a shopping centers, que proliferaram por todo o país; depois vieram os carros populares, as viagens aéreas, os cruzeiros marítimos, os computadores, e, mais recentemente a TV digital, tablets e smartphones.

O pleno emprego e o aumento da renda dos trabalhadores, ocorrendo em curto prazo num contexto de desigualdades históricas, baixa renda e trabalho informal, tendem a produzir distorçoes de preços, em parte, porque a economia estava organizada para os padroes estáveis de uma classe média tradicional e de pouca escala. De repente, essa classe média, que nunca passou de 15% da populaçao brasileira, tem a companhia dos emergentes, que representam mais de 55% da populaçao e formam um novo país de 105 milhoes de consumidores.

Mas jornais e revistas sao feitos para a classe média tradicional, o que justifica a reportagem de capa da revista Época desta semana. O texto é um primor de falácia jornalística: “O arrocho da classe média”, diz o título da reportagem, com a chamada de capa em tom de manifesto: “A conta sobrou pra você”.

Com uma série de exemplos de famílias com renda superior a R$ 8 mil mensais que agora precisam conter custos, Época faz coro aos lamentos da dona de casa que se vê obrigada a reduzir seus gastos com cabeleireiro, de R$ 800 por mês – e agora tem que fazer hidrataçao facial em sua própria casa!

Também há o exemplo dos brasileiros de classes A/B que nao aguentam mais pagar o preço do vinho nos restaurantes, porque nao dá para manter esse hábito essencial e ao mesmo tempo custear o médico particular. Eles sao obrigados a reunir os amigos para beber em casa!

A reportagem nota, com espanto, que na última década a renda dos 10% mais pobres subiu 91,2% acima da inflaçao, enquanto a dos 10% mais ricos subiu apenas 16,6%.

Há outras referências, mas bastam esses exemplos do que a revista chama de “calvário” da classe média tradicional. O texto termina com um recado para seus leitores: “Eu era feliz e nao sabia” :) A frase poderia ser bem outra: “É a distribuiçao de renda, cidadao”.

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