A imprensa se desvincula do jornalismo | A tática do turbilhao

Por Luciano Martins Costa ontem, publicado na ediçao 791 do Observatorio

Os profissionais de comunicaçao com experiência em gestao de crise sabem o que é o turbilhao: é uma sucessao intensa de notícias negativas contra as quais nenhuma açao paliativa parece funcionar. Em casos como esses, quando as respostas, argumentaçoes e justificativas sao atropeladas pela sequência de acusaçoes, muitas vezes a melhor atitude é o silêncio, ou ponderaçoes pontuais e genéricas, tentando compor um espaço de serenidade no meio da tormenta.

É assim que se comporta, por exemplo, a atual diretoria da multinacional Siemens, cujo presidente vem a público enfrentar a imprensa e, com a maior clareza que permite a circunstância, admite que a empresa cometeu erros no passado e está disposta a corrigi-los, inclusive, se for o caso, indenizando o Estado e a sociedade por eventuais prejuízos.

A empresa nao se defende pontualmente de cada ataque, porque sabe que no momento seguinte será publicada nova denúncia, ou uma velha denúncia será requentada com um novo detalhe.

O turbilhao foi detonado nesta semana e segue nas ediçoes desta 6a feira 28 dos grandes jornais brasileiros, por conta das revelaçoes sobre as trapalhadas cometidas pela Petrobras na aquisiçao de uma refinaria nos EUA. No meio da tormenta, os jornais publicam o resultado de uma pesquisa feita anteriormente ao escândalo, na qual se registra a queda da aprovaçao da presidenta da República. Paralelamente, articulistas afirmam que essa perda de popularidade é a causa do movimento ascendente da Bolsa de Valores.

No mesmo contexto, a imprensa havia feito um grande barulho por conta do rebaixamento do status do Brasil no rating feito pela agência de avaliaçao de riscos Standard & Poor’s. Da mesma forma, pululam artigos e editoriais reforçando a tese de que o governo atual nao é capaz de fazer frente aos desafios do seu tempo. No entanto, o jornalismo diário tem uma característica estranha: os editores nao parecem considerar a relaçao que existe entre um dia e a ediçao seguinte. É como se a imprensa levasse ao pé da letra o predicado bíblico segundo o qual “basta a cada dia o seu próprio mal”.

Logo após o grande barulho em torno da decisao da Standard & Poor’s, os jornais registram que a Bolsa sobe e o dólar cai, e reproduzem o palpite dos oráculos do mercado, segundo os quais isso se deveu à divulgaçao da pesquisa que mostra uma queda na aprovaçao do governo. Ao mesmo tempo, acontece também que, apesar de ter sofrido uma perda em sua avaliaçao por parte da agência, a Petrobras vê suas açoes valorizadas subitamente.

Por outro lado, anuncia-se que o governo brasileiro conseguiu captar 1 bilhao de euros em bônus da dívida externa, a um custo extremamente baixo – a menor taxa de retorno em euros já registrada. Trata-se de uma demonstraçao concreta de confiança do mercado externo na economia brasileira, confirmada pela solicitaçao dos bancos emissores, que queriam aumentar o volume de títulos ofertados. Além disso, registra-se mais um mês com emprego recorde para o período.

Há uma questao essencial na observaçao da imprensa que não costuma ser contemplada nos debates dos especialistas: para onde vai o jornalismo durante esses episódios que chamamos de turbilhao?

Com todos os riscos que se corre ao fazer tal afirmaçao, pode-se dizer que, em ocasioes como esta, a imprensa se desvincula do jornalismo. Sim, por incrível que possa parecer, a imprensa nao tem obrigatoriamente uma relaçao umbilical com o jornalismo. Eventualmente, o interesse da imprensa vai na direçao oposta daquilo que seria a boa prática jornalística. O turbilhao define bem esses momentos.

Coincidência ou nao, nesta semana completam-se 20 anos do célebre caso da Escola Base. Acusados levianamente de abusar de crianças sob seus cuidados, os donos da escola e o motorista da perua escolar foram crucificados pela imprensa em peso, com exceçao do extinto Diário Popular. Passado o furacao, demonstrou-se que eram inocentes, mas era tarde: suas vidas estavam destruídas.

Há uma grande distância entre esse caso e o de empresas, personalidades e governos atingidos pela força insana das notícias negativas. Em geral, instituiçoes poderosas contam com assessorias competentes para administrar essas crises. Acontece que, diante de uma importante disputa eleitoral, os especialistas em comunicaçao institucional perdem espaço para os marqueteiros de campanha… E tudo vira comício.

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