Melhor leitura dos jornais é acompanhar o que nao sai nos jornais, veja aqui

Do Luciano Martins Costa publicado no Observatorio da Imprensa

Começou a campanha eleitoral na televisao, considerada o recurso mais eficiente para a colheita de votos, e nao se fala de outra coisa nos jornais. Evidentemente, trata-se apenas de uma força de expressao, porque os diários seguem trazendo aquele mesmo cardápio variado de assuntos, determinado pela divisao das folhas em seçoes especializadas. O que muda é a abordagem dos mesmos temas: agora, mais do que nunca, o que sai, como sai e principalmente o que nao sai na imprensa fica condicionado ao efeito que a notícia pode produzir nas urnas.

Nesta 4a feira, 19, o destaque do trivial variado é a prisao do ex-médico Roger Abdelmassih, condenado a 278 anos de prisao por 48 estupros e foragido desde janeiro de 2011. Também há registros sobre a crise hídrica que afeta principalmente a região metropolitana de São Paulo, além de outras variedades. Mas já se percebe que o noticiário político foi conectado ao que dizem os candidatos na propaganda eleitoral – e o noticiário econômico tende a seguir no mesmo tom.

Também aparecem nas primeiras páginas, como sempre, notícias de futebol, com a primeira convocaçao da seleçao brasileira depois do vexame na Copa do Mundo. O novo técnico, Carlos Eduardo Bledorn Verri, conhecido como Dunga, tem a missao de tirar das cinzas aquele que já foi o melhor futebol do mundo, em duas partidas amistosas, contra as seleçoes do Equador e da Colômbia, nos EUA. A crônica especializada se empenha em um debate sobre os escolhidos, e observa que Dunga convocou 10 dos atletas que falharam na Copa.

Aparentemente, nada além do corriqueiro.

Sobre a campanha eleitoral, há relatos detalhados do que disse cada um dos candidatos na televisao, mas poucas análises sobre o que eles realmente podem fazer caso sejam eleitos. Assim, a mensagem imaginada pelos criadores da propaganda eleitoral acaba predominando sobre a realidade, que deveria orientar a escolha do eleitor. Ou seja: em última instância, quem define a pauta da imprensa nesta temporada de caça a eleitores sao os marqueteiros de campanha. Mais interessante, portanto, é observar o que nao sai nos jornais.

Entre os assuntos que nao serao lidos nos diários pode-se observar, por exemplo, que as notícias sobre a crise de abastecimento de água em Sao Paulo se limitam a uma disputa entre o governo paulista e o governo do Rio de Janeiro em torno do uso da bacia do rio Paraíba do Sul. Também há referência ao aumento do consumo e ao estranho silêncio do comitê anticrise liderado pelo Departamento de Água e Energia Elétrica de Sao Paulo e pela Agência Nacional de Águas: criado em fevereiro para enfrentar o problema, o grupo de especialistas nao se manifesta há 50 dias, segundo o jornal O Estado de S. Paulo.

O caso é mais complexo que isso. Nao se sabe se os jornais estão informados, mas a diretoria da Fiesp – Federaçao da Indústria no Estado de São Paulo – mantém o assunto entre suas prioridades há pelo menos 1 mês, discutindo as consequências de um colapso previsto para acontecer na última semana de setembro.

Uma cientista com pós-doutorado em hidrologia tem produzido relatórios alarmantes sobre a situaçao, e algumas das possíveis soluçoes já nao podem ser executadas porque nao houve um planejamento adequado por parte do governo paulista.

Além dos transtornos que pode causar uma falta prolongada de água, numa metrópole desorganizada e com tantas comunidades sem infraestrutura de saneamento básico, tem preocupado os empresários a constataçao de que parte da água entregue pela Sabesp está contaminada pelo esgoto em vários ramais da regiao metropolitana. Há o risco iminente de a falta de água ser agravada por uma crise de saúde pública de consequências desastrosas.

O presidente em exercício da Fiesp, Benjamin Steinbruch, nao virá a público revelar tudo que tem sido discutido pelos empresários, porque pode parecer que estaria fazendo campanha para Paulo Skaf, o presidente licenciado da entidade, que é candidato a governador pelo PMDB. Além disso, teria que colocar em debate a responsabilidade das próprias indústrias no uso nao sustentável dos recursos hídricos.

A imprensa ainda nao se deu conta do problema, ou tem outras preocupaçoes mais relevantes.

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