Nao há “opinioes livres e justas” na imprensa q nao consegue ser independente ou objetiva

Luciano Martins Costa / publicado originalmente no Observatorio

Os analistas da mídia repetem incessantemente que o grande desafio da imprensa tradicional nos tempos correntes tem sua origem no advento das tecnologias digitais de informaçao e comunicaçao. Por conta desses recursos tecnológicos, qualquer cidadao minimamente aparelhado para registrar imagens e postar comentários pode se transformar em jornalista, e sua açao individual pode entrar em concorrência direta com o trabalho de centenas de profissionais lotados nas redaçoes.

Há muitas nuances e alguma tergiversaçao nessa afirmaçao, principalmente quando ela vem desacompanhada de outras reflexoes sobre o impacto da tecnologia na estrutura daquilo que chamamos imprensa. A primeira delas exige que se questione a crença segundo a qual o melhor jornalismo é aquele que apresenta a opiniao “justa e livre” sobre fatos colhidos de forma independente.

A dor do crescimento do jornalista se manifesta justamente quando ele admite que nao existe imprensa independente nem opiniao justa ou livre. O que existe, ou que deveria existir como qualidade fundadora da imprensa, é o propósito da objetividade e da justiça na construçao das opinioes e a ponderaçao crítica sobre quais seriam os laços de dependência moralmente aceitáveis por um órgao de comunicaçao.

Essa manifestaçao de vontades a definir o arbítrio do jornalista é que produz a justificativa moral para a existência de um poder estruturado e estruturante que se oferece como mediador entre os variados interesses presentes na vida social, em seus aspectos políticos, econômicos, culturais, etc.

Esse é o arcabouço dos paradigmas que orientam a análise crítica da mídia, e esta pontuaçao é necessária para responder a questionamentos presentes nas redes sociais sobre o trabalho diário do observador da imprensa.

O observador faz suas ponderaçoes com o olhar na rotina, no produto de cada jornada, mas precisa de vez em quando lembrar que há princípios em jogo. Esses princípios sao deturpados quando se alimenta a ilusao de que é possível uma imprensa independente, com opinioes “livres e justas”. Isso é uma ficçao.

Imprensa faz mal à saúde

O que afeta a imprensa tradicional no Brasil, e pode ser constatado diariamente, nao é a oferta da tecnologia, mas o potencial que ela oferece para questionar o exercício dessa suposta independência.

Por exemplo, quando o blogueiro de um jornal como o Estado de S Paulo posta em seu canal da internet 1 comentário dizendo que se sente angustiado com o noticiário sobre o Brasil e que os jornais poderiam vir com aquela recomendaçao típica do Ministério da Saúde sobre o risco do excesso de informaçoes negativas, ele abre a possibilidade de outros autores questionarem justamente a origem do mal-estar, ou seja, o noticiário negativo.

O blogueiro está confessando que pensa em deixar o país por causa da sensaçao de mal-estar provocada pelo bombardeamento de notícias ruins, e alguns comentaristas podem questionar: afinal, quais sao as razoes objetivas desse mal-estar? Onde estao os indicadores de que o Brasil vai mal, de que vivemos uma crise econômica ou social, de que estamos hoje pior do que estávamos há 10, 20 ou 30 anos?

Se o leitor for buscar as fontes primárias de cada afirmaçao deletéria, nociva, insalubre, dessas que empesteiam diariamente as primeiras páginas dos principais jornais do país, vai se dar conta de que nao há uma conjugaçao objetiva de fatos que justifique a criaçao dessa histeria antinacional.

Apanhemos um exemplo, casual, na ediçao desta 3a feira (20/5) do próprio Estado de S Paulo – pode-se ler, no caderno de Economia, que o presidente regional do Banco Central americano em Dallas, no Texas, Richard Fisher, criticou a política econômica do Brasil.

A biografia de Fisher, que em 40 anos de carreira nao passou do 2o escalao de todas as instituiçoes a que serviu, nao o recomenda como fonte de primeira grandeza. O que o recomenda, para a imprensa, é sua opiniao negativa sobre o Brasil, emitida no meio de um debate variado sobre a economia americana – ver aqui relato do site Marketwatch.com.

Uma pauta distribuída pela agência Dow Jones cai nas maos do editor do Estado, que escala 2 repórteres para fazerem a “repercussao” da opiniao de Fisher. Pergunte-se o leitor atento: se Fisher tivesse elogiado o Brasil, sairia no jornal? Mil fichas contra uma de que nao sairia, porque o interesse é detonar.

O que há é manipulaçao de emoçoes por meio de notícias negativas, o que nao apenas torna ridícula a hipótese de uma imprensa “independente”, como desfaz a ilusao de que a imprensa ao menos pretende ser objetiva.

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