Os ultimos dias dos impressos – agora sem agua e sob acompanhamento da UERJ

“A imprensa hegemônica rompeu com o jornalismo” –  Luciano Martins Costa no Observatorio, ontem. sobre a Folha do dia (leia nota mais cedo no Blue Bus sobre a Folha de hoje)

A Folha de S Paulo acaba de descobrir que o racionamento de água que ocorre em Sao Paulo é racionamento mesmo, e nao efeito colateral de obras de manutençao da rede. Essa constataçao faz a manchete do jornal nesta 6a feira, 1º – “Açao de SP na crise da água equivale a racionamento”.

No texto que se segue, o leitor fica sabendo que o racionamento que sofre na prática há um mês também é racionamento na teoria. O diário paulista só percebeu que o racionamento de fato é também um racionamento em termos técnicos quando alguns bares da Vila Madalena, regiao da boemia frequentada por jornalistas, tiveram que fechar por falta de água.

A nova interpretaçao da Folha para a crise de abastecimento chama atençao porque acontece ao mesmo tempo em que o jornal anuncia uma campanha para esclarecer aos leitores seu posicionamento diante de alguns temas tidos como importantes: casamento gay, pena de morte, cotas raciais, política econômica, aborto e legalizaçao de drogas. A direçao do jornal quer mostrar que, embora tenha posiçoes claras sobre os assuntos, abre espaço para opinioes divergentes.

Essa mudança responde em parte a especulaçoes feitas por protagonistas das redes sociais sobre a persistência da Folha em pressionar o senador Aécio Neves (PSDB), candidato a presidente da República, a dar uma explicaçao para o caso do aeroporto privado feito em Minas Gerais com dinheiro público quando ele era governador do Estado.

Foi a Folha que revelou essa história, obrigando os outros jornais a seguirem a pauta, e o veículo que mais mantém o assunto em evidência. Com a insistência do jornal paulista, Aécio Neves finalmente admitiu que usou o aeroporto “algumas vezes” e acusou a Agência Nacional de Aviaçao Civil de atrasar a homologaçao do campo de pouso, o que pode ter feito com que ele, “inadvertidamente”, usasse as instalaçoes irregulares.

No mesmo dia, em editorial, a Folha exige mais explicaçoes, acusa o ex-governador de haver privilegiado a cidade onde sua família possui terras, observa que a obra “no mínimo, é conveniente para ele e seus parentes” e conclui que a questão “nao está mais que esclarecida”, como quis Aécio.

Alguns leitores escrevem comentários dizendo que o jornal paulista se descola de seus concorrentes, que poupam quanto podem o candidato tucano. No entanto, é mais fácil explicar a aparente guinada da Folha em dois aspectos: o jornal sempre foi muito próximo do ex-governador José Serra, que, embora correligionário, nao tem qualquer entusiasmo pela candidatura de Aécio Neves; a Folha, como os outros diários de circulaçao nacional, segue demonstrando seu partidarismo em favor do PSDB em outros aspectos, principalmente no que se refere aos problemas de Sao Paulo.

Se nao fosse pela simples observaçao crítica que o leitor mais atento costuma fazer, o partidarismo dos principais diários do país vem sendo registrado por um grupo de pesquisadores da UERJ – Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Suas análises da valência das informaçoes destacadas pela imprensa mostram uma dicotomia presente nas escolhas editoriais, que reforçam aspectos negativos ou positivos dos acontecimentos conforme os protagonistas.

O Laboratório de Estudos de Mídia e Esfera Pública (LEMEP) da UERJ demonstra, com o seu “manchetômetro” como os jornais blindaram Fernando Henrique Cardoso e expuseram Lula da Silva no passado recente, como tratam desigualmente o governo federal e o governo paulista, como as notícias sobre Aécio Neves sao mais equilibradas do que o material referente à presidenta Dilma Rousseff, bombardeada na proporçao de 182 informes negativos para apenas 15 positivos, por exemplo, e como esse bombardeio se intensifica no período eleitoral.

Além disso, o noticiário econômico apresenta um resultado consolidado de mais de 90% de notícias negativas, numa linguagem dicotômica e com poucas nuances, “interpretando os fatos e dados econômicos como sinais de uma crise, ou em andamento, ou prestes a acontecer”.

Os gráficos da cobertura agregada dos 3 jornais, por exemplo, mostram que a economia teve em julho 97,6% de notícias negativas contra apenas 2,4% de notícias positivas.

Se o Brasil fosse o que mostra a imprensa, estaríamos todos mortos de fome.

Essa é uma das evidências de que a imprensa hegemônica rompeu com o jornalismo.

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