Pessimismo como norma gera ceticismo em relaçao ao noticiario | Carlos Castilho

O professor Carlos Castilho no Observatorio da Imprensa

Quem acompanha o noticiário pela televisao, em especial o da TV Globo, certamente já se impressionou com o predomínio de notícias sobre violência, corrupçao, tragédias, acidentes, declínio econômico, aumento de preços, congestionamentos e por aí vai. A lista de mazelas públicas e privadas exibida pelo menos 4 vezes ao dia nos telejornais poderia ser ampliada ainda mais dando margem a duas suposiçoes: os editores e repórteres passaram a ver apenas um lado da realidade ou entao existe uma predeterminaçao para que o pessimismo também contamine a populaçao, pelo menos até as eleiçoes.

Meu colega Luciano Martins Costa já abordou a agenda pessimista da imprensa a partir das manchetes dos grandes jornais brasileiros. Suas análises deixam claro que, deliberadamente ou nao, existe uma tendência a priorizar o negativo seja por questoes políticas ou para explorar o voyeurismo e morbidez para vender jornais. Pretendo ir um pouco além para explorar a atitude de repórteres e editores diante desta tendência.

É claro que a alternativa de só dar notícias boas, como ocorria na imprensa durante o regime militar, é tão equivocada quanto só dar as ruins. Nao se trata de fazer uma escolha, mas de ter em mente que a sociedade em que vivemos é complexa, dinâmica e diversificada. Às vezes com um pouco mais de otimismo, noutras de pessimismo. É impossível um equilíbrio estático e nao há uma fórmula única para avaliar os dados do dia a dia. O desafio do jornalista é achar a dose certa.

É aí que reside a especificidade da profissao. A principal funçao do jornalismo é a prestaçao de serviços de interesse público mediante a produçao de notícias capazes de gerar debate e, com isso, ampliar o conhecimento coletivo e individual. O noticiário ocupa neste cenário um papel fundamental, pois é ele que alimenta a reflexao entre as pessoas e, consequentemente, as suas decisoes.

Produzir pessimismo é uma forma de induzir a decisoes equivocadas porque todo mundo sabe que o quotidiano é feito de coisas ruins e coisas boas. Logo, a ênfase no negativismo, ou no ufanismo, é um sinônimo de mau jornalismo porque ignora a realidade social e engana o público ao lhe fornecer um quadro distorcido do mundo em que vivemos.

Também nao se trata de adotar uma estratégia salomônica: dar uma notícia ruim e outra boa. É uma técnica ultrapassada porque a realidade é dinâmica e nao adianta querer transmitir uma ideia de equilíbrio porque a mudança é permanente. Os extremos (pessimismo ou ufanismo) sao mais confortáveis porque o jornalista nao precisa viver a dúvida permanente se está ou não levando em conta os demais dados da realidade. Mas podem ser um erro fatal se considerarmos a sua credibilidade pública.

Para manter uma sintonia mínima com a dinâmica social, os profissionais da imprensa nao têm outra alternativa senao pesquisar, duvidar, conferir e compartilhar dados, informaçoes e conhecimentos. Isso toma tempo, o que gera um conflito inevitável com o ritmo industrial de produçao jornalística adotada pelas empresas de comunicaçao. É aí que possivelmente reside uma das causas da atual distorçao do noticiário oferecido ao público.

Uma consequência prática, fácil de perceber entre telespectadores, especialmente nas grandes cidades, é o crescente ceticismo em relaçao ao noticiário. As pessoas começam a mostrar cansaço em relaçao à insistência na ênfase negativista. Nao há uma rejeiçao clara dos números, fatos ou eventos transmitidos, o que revelaria uma atitude proativa, mas uma tendência a nao levá-los em conta como elemento essencial para a tomada de decisoes. As pessoas consultam cada vez mais parentes, amigos e as redes sociais na hora de fazer uma opçao.

As pessoas também se queixam que a imprensa costuma omitir nomes e marcas envolvidos em questoes polêmicas. A atitude é uma compreensível precauçao preventiva de empresas e profissionais contra açoes judiciais dos suspeitos, mas o público acaba ficando diante de uma situaçao difícil: duvidar de tudo ou especular sobre o que nao foi revelado. Nem uma nem outra opçao atendem às necessidades dos leitores, ouvintes, telespectadores ou internautas.

O resultado é o distanciamento crescente entre as pessoas e a imprensa, que passa a ser vista cada vez mais como uma distraçao ou voyeurismo social, em vez de ser, prioritariamente, um fator de geraçao de conhecimento coletivo e individual voltado para a consolidaçao de relações comunitárias.

 

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