Pra onde está indo a midia? Em vez de tentar adivinhar, melhor construir o futuro

O Luciano Martins Costa no Observatorio da Imprensa.

Uma nota publicada pela Folha de S.Paulo antes do feriado informa que a venda de computadores pessoais deve diminuir 7,8% neste ano em todo o mundo, uma queda maior do que a esperada pela empresa de pesquisas IDC, que acompanha o desenvolvimento da tecnologia digital. No texto original, distribuído na véspera, a empresa registra que os computadores de mesa e mesmo os portáteis tipo laptop estao sendo substituídos muito rapidamente pelos tablets, cujas vendas devem crescer 58,7% em relaçao ao ano passado, chegando a 229,3 milhoes de novas unidades até o final de 2013.

Os dados apontam a consolidaçao de 1 novo paradigma no setor de informaçoes e comunicaçao, com a predominância de equipamentos com múltiplas funçoes e completo acesso à internet em qualquer lugar e em pleno movimento. A novidade é a aceleraçao desse processo, que indica a preferência por aparelhos com telas de até 8 polegadas, cerca de 20 centímetros, que devem dominar o mercado até 2017. Um dos principais estímulos a essa tendência é a adoçao de tablets na educaçao, que impulsiona a multiplicaçao dos aparelhos em larga escala e pressiona os preços para baixo.

É aqui que a questao tecnológica se cruza com a observaçao da imprensa. O ponto central é: como a imprensa tradicional vê as mudanças tecnológicas e as rupturas provocadas por elas no ambiente social. Para resumir a ópera, o que se pode afirmar é que as empresas tradicionais de mídia sempre trataram essas tecnologias como risco, nao como oportunidade.

No Brasil, com exceçao do Grupo Folha, que edita a Folha de S Paulo, todas as demais organizaçoes relutam a admitir que, em algum momento, aquilo que chamamos de jornal possa vir a desaparecer. Embora os números nao sejam públicos, sabe-se que o complexo de serviços digitais chamado UOL já se consolidou como a cabeça do grupo empresarial, e a Folha de S Paulo sobrevive como uma marca de transiçao.

Para os brasileiros que se alfabetizaram nos anos 1990, chamados de nativos digitais, a Folha é uma referência do passado, assim como outras denominaçoes da mídia física, como os jornais O Estado de S Paulo, O Globo, e revistas como Veja e Época. Mesmo o presidente do conselho de administraçao do Grupo Abril, Roberto Civita, recentemente falecido, se dizia conformado com a ideia do fim da versao impressa da Veja.

No entanto, ‘aceitaçao’ nao significa ‘adequaçao’, e a atitude predominante entre os controladores da mídia tradicional tem sido apenas de observar e aceitar ou nao o desenvolvimento da tecnologia que, essencialmente, coloca em xeque o conceito clássico de mídia e mediaçao.

O artigo publicado na 4a feira por Rodrigo Mesquita, na seçao de opiniao do Estado de S.Paulo, tem exatamente esse sentido – o de afirmar que redes sociais sempre existiram e que o mundo sempre irá precisar de quem organize as informaçoes para o cidadao. A ideia central de seu artigo é que o antigo papel do mediador muda de nome: agora o jornalista será o “curador” que irá monitorar os fatos do mundo contemporâneo, “mais fragmentado, complexo e rico”, dando-lhes contexto e perspectiva. Ao afirmar que “nada mudou” nessa relaçao, o autor apenas repete o mantra mágico que tem reduzido as chances de sobrevivência do jornal.

No mundo real, as redes sociais que têm como suporte a tecnologia digital sao muito diferentes do sistema de comunidades em que a indústria da imprensa construiu seu papel histórico. Os princípios organizadores da cultura nesse novo contexto se caracterizam, entre outros elementos, por uma relaçao de reciprocidade entre as partes e o todo, o que torna problemática a presença de uma autoridade mediadora. Mesmo o conceito de cultura, antes uma “cultura de elite”, se dilui e se configura como movimento e dinâmica de trocas sociais.

O autor do artigo publicado no Estado tem suas razoes, sonha com a hipótese de que o jornal seja como “a Ágora da pólis” no mundo contemporâneo, e está defendendo seu patrimônio. Por outro lado, a observaçao crítica da imprensa nao significa uma torcida pelo desaparecimento da mídia, mas 1 exercício de reflexao independente que ajude a entender essa transiçao para uma realidade ainda mal compreendida.

A questao central é: como os pensadores da mídia tradicional encaram o futuro. A diferença básica entre os formuladores da visao de um mundo futuro, como o visionário empreendedor Steve Jobs, criador da Apple, e os gestores da mídia tradicional, é que estes tentam adivinhar o futuro e aqueles, como Jobs, tratam de construí-lo.

Há uma diferença crucial entre a perspectiva das mudanças e uma atitude prospectiva, que interfere nas mudanças. Abandonar a ilusao do controle sobre a crescente autonomia dos indivíduos seria um bom começo. Ainda que tardio.

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